A gata ronrona no meu colo enquanto você provavelmente deve estar ronronando na sua cama. O som ronrona baixinho com suas distorções e ruídos. A ceva ronrona enquanto rola pela minha garganta. Numa sexta de noite. Numa sexta de noite. Escrevo pra você numa sexta de noite. Não me pergunte à hora exata e nem a data ou o mês ou até mesmo o ano. Foda-se. Escrevo-te no presente, pois assim parece que estou a falar com você nesse instante, assim as palavras passam a impressão de estarem rolando agora, naturalmente, numa espécie de prosa espontânea misturado com fluxo de consciência ou de pensamento, digressões, confusões, distorções, invenções. Você não percebeu, mas fiquei um tempo sem escrever só ouvindo as reverberações da voz da cantora e durante essa audição dei alguns goles na minha sétima, oitava breja, sei lá, já perdi as contas, pode ser que esteja exagerando. As guitarras parecem que estão numa espécie de vórtice, um vórtice onde eu me deixo levar, vou deslizando, degringolando, num escorrega em caracol infinito pra um buraco sem fim. O telefone chama e ninguém atende. Sim, você está dormindo. A cerveja ameaça ficar quente, mas eu não deixo e mesmo que esteja, eu bebo do mesmo jeito. Queria estar num show agora, embriagado e drogado, em transe com a música que a banda toca lá no palco. Beber uma maria mole em cada bar da Augusta, beber uma tequila na rua que é cinco conto, ou era, melhor do que nos bares, onde cobram os olhos da cara, o que no meu caso não vale muita coisa, pois uso óculos. Otários. Um sorriso apareceu no meu rosto, não me pergunte o porquê, estou cansado de explicar ou de dar sentindo para tudo nessa vida. Não podemos somente sentir, sentir, estar ali, ou aqui, viver, não é o que todos dizem, viva! Bando de hipócritas com suas cartilhas e manuais de instruções de como proceder, falar, se comportar, beijar, se relacionar, transar, mijar, cagar, ouvir, ler, assistir, filhos da puta falsos, escribas e fariseus, como diria Jesus, outro que pregava a liberdade, outro que pregava, “deixa os outros viverem como querem e cuide somente de si”, e que por causa disso foi morto, se ressuscitou é outra história, mas morto ele foi. Minha cerveja acabou... Preciso de mais uma. Vou pegar mais e mudar de música, mas não sei o que colocar agora, dúvidas, dúvidas, dúvidas. Opa, Galaxie 500. Acho que agora foi, se não foi vou deixar tocando um pouco. Melhor não, é muito calmo, já estou ficando com sono... Pronto. Coloquei Ought pra arregaçar. Corjas de filho da puta, conservadores arrombados, machistas retrógrados, reaças fascistas, porcos imundos, bostas chamadas de gente, Maira, Diego, Romário, Camila, Pedro, Michele, Alan, Bruno, Fabiano, uma par de nomes para pessoas da mesma laia, farinha do mesmo saco. Porra, tô bêbado. Será que inconscientemente eu também sou um bosta? Sou sim, tomar no cu. Ah, o punk rock, por isso curto Kurt Cobain, não seus fãs chatos que o transformam num messias, porra de messias, do que as pessoas querem ser salvas? Delas mesmas? Deve ser. Tolos, deviam se entregar ao que são verdadeiramente no lugar de usarem máscaras que nem cabem nos seus rostos horrorosos, não escondem nada, só salientam o que não são. Estou farto desses presunçosos arrogantes metidos a besta. Farto dessa porcaria de vida. Assim como Jó amaldiçoou o seu nascimento eu também amaldiçoou o dia que meu pai fodeu minha mãe. Por que não dei lugar para outro espermatozoide sedento pela vida e pela morte? Droga! Vou acender um cigarro. O sabor da tragada, o efeito da nicotina, o cheiro da fumaça, o pigarro na garganta, a cerveja que muda levemente de sabor, os pensamentos que se organizam. Me dá uma tragada e leva meu ar. Puto. The Weather Song tocando. Esse som é foda. A guitarra, o teclado, a batera, porra, o vocal, vai Tim, seu puto, canta mais um verso, we won’t take it any more, we won’t take it any more, take it any more... Tô cansado, vou dormir ao som de Forgiveness, música à la The Velvet Underground... A gata que tinha saído do meu colo voltou para se roçar nas minhas pernas...
Sexta de noite, de Samuel para Natalie.
Amo-te e odeio-te.
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