Pular para o conteúdo principal

Corrijo-me


Minha tia tinha um cachorro que parecia gente. O nome dele era Scorpion. O nome era em homenagem a banda alemã, sim, meus tios são metaleiros, não, não era uma homenagem ao personagem do gamer Mortal Kombat. De muitas formas um cachorro parece uma criança, tem que se estar atento a qualquer variação de seu comportamento, hiperatividade, tranquilidade, fugas para debaixo de camas e mesas, choros, uivos. Às vezes não dá pra saber o que eles querem, comida, água, carinho, rua, proteção, e assim usamos o método que a maioria dos pais usam com os filhos quando pequenos e não conseguem se comunicar, e quando já grandes e não querem se comunicar, ou seja, tentativa e erro, na dúvida, melhor fazer tudo o que você acha que seu cãozinho ou filho talvez queiram. Meus tios acostumaram Scorpion com comida, feijão, arroz, carne, frango, peixe (sem espinhas, evidentemente), aqueles beliscos no almoço e na janta que deveriam ser só exceções acabaram se transformando em regra. Assim o bicho só comia o que todo mundo na casa comia. Tinha torta? Guarda um pedaço pro Scorpion. Bolinho de carne? Guarda. Massalada? Guarda. Lasanha? Guarda. E brigadeiro? Também, oras. Certo dia, depois do almoço, meus tios foram para o shopping. De noite ao chegarem em casa encontraram a cozinha num rebuliço só, o bicho tinha derrubado as panelas de cima do fogão, de alguma maneira aberto a geladeira e os armários, tudo fora passado a limpo. Meu tio desmaiou e minha tia enxotou o bicho para fora de casa quando encontrou Scorpion transfigurado em gente, deitado na lavanderia com a barriga inchada e a cochilar devido ao costumeiro efeito pós-refeição. Corrijo-me. Minha tia tinha um cachorro, um cachorro que era gente. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gatos & Exercícios

Enquanto faço abdominais minhas gatas me encaram. Posso ouvi-las: “O que você está fazendo, humano?” Cansado na segunda série de dez concordo com elas: “O que que eu tô fazendo?!”

Fofis

Wesley corre desesperado para casa. Envergando o corpo pra frente e contraindo as nádegas para segurar a vontade. Parece que quanto mais próximo mais ela aumenta. Chega esbaforido em casa e se apressa para o banheiro. Quase que não tem tempo de abaixar as calças. Haaaa. Sente-se aliviado. Que aperto. Ao olhar ao lado não vê o papel higiênico. Nem no armário da pia. Putz. Ô BIIIIIIAAAAH! BIIIIAAH! Bia grita. OIEE! Que foi?! Tá doido?! Meu, compra um papel ali no Juarez. Vim numa carreira só e não percebi que tinha acabado. Você quer dizer caganeira só, né?! Wesley se irrita. Anda logo menina. Tá bom, tá bom. No Juarez Bia decide qual marca de papel levar para casa. A que sua mãe sempre compra aparentemente acabou. Distraída olhando para a parte de cima da prateleira onde os papéis ficam ela tromba com Emily. Oi Em, tudo bem? Tudo sim e você? Também estou bem. E aí, o que procura? Vim comprar aquele papel de dupla camada, sabe? Fofinho e tal. Ah, sei, o Fofis, né? Isso. O que tem uns ur...

Lobo Solitário

Enzo caminha para a escola. Durante o trajeto passa por um bazar escolar pequeno, mas bem arrumado, prateleiras e objetos bem distribuídos pelo espaço, parece ser um local bem arejado e limpo. Um lugar que dá vontade de entrar. Nos fundos um balcão de vidro, sobre ele um computador e atrás do balcão um cara simples numa cadeira assistindo algo no PC. Ele aparenta ter uns vinte anos, talvez beirando os trinta. Barba por fazer e de boné. Fones no ouvido. Desligado do mundo. O professor passou um daqueles trabalhos horríveis para turma. Eles precisam desenhar um átomo, fazer uma espécie de cartaz para colar na sala. Enzo vai até o bazar que sempre lhe convida a entrar pra comprar uma cartolina. As cartolinas, os crepons e todos esses tipos de papéis que são desperdício de árvores estão enrolados e dentro de pequenas caixas de papelão que ficam numa prateleira atrás do balcão. Enzo entra e observa o lugar, o cheiro do estabelecimento é agradável, ele passa pelas prateleiras cheias de ...