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Playground

Foto: Paulo Sommer
Começo de tarde. Carlos e Thiago estão cansados de caminhar e sentam nos bancos do Parque Trianon. Em frente ao banco tem um playground infantil. Carlos fuma mais um de seus cigarros. Enquanto isso Thiago observa a cena que desenrola na frente de seus olhos.

Pais vão embora com seus filhos. Outros chegam com seus pequenos. Uns somente observam. Outros interagem na brincadeira.

Um pai alto e branco, louro, corte de cabelo quadrado escora-se nas barras de um brinquedo para mexer no seu celular. Sisudo. Seus olhos alternam entre o filho e o celular. Às vezes demoram-se mais no celular. Quando fala com o filho é para repreendê-lo.

Thiago acha a cena curiosa.

Uma mãe que empurrava a filha no balanço agora está sentada no banco. De lá observa a menina que se balança pra frente e pra trás. Também alterna entre a filha e o celular. O marido parece que não está com ela. Pode estar falando com ele. Pode nem ter marido. É mãe solteira. E assim fala com o namorado, ou pode estar resolvendo coisas do trabalho, ou conversando com uma amiga ou um amigo, com a própria mãe ou pai.

Enquanto Thiago pensa nessas possibilidades, Carlos tenta registrar o momento em que a garota se balança. A foto mostra a garota voando pra frente sentada na tábua presa a correntes. Seu cabelo solto voando pra trás com o vento. Nesse interim a mãe também se levanta para captar o balançar da filha com o celular.

Um casal chega. Eles estão com a filha pequena. Ela ainda não pode brincar com alguns dos brinquedos que estão ali. O pai se diverte com a filha. Ela corre de um lado para outro. A mãe dá risada do marido. Eles a colocam na gangorra. A mãe segura à filha enquanto o pai do outro lado movimenta o brinquedo. A garotinha ri. Os pais parecem dois bobos apaixonados.

Thiago ri e sente uma sensação gostosa.

Enquanto conversava com Carlos, Thiago não percebe, mas um novo casal chega. Com seus dois filhos. Uma menina e um menino. A mãe brinca com a garota. Ele observa o pai e o garoto. O rapaz é uma graça. Anda todo impávido. Com boné. Sério. Ele anda com passo firme em direção ao escorrega. Parece decidido. Começa a subir as grades de ferro. O pai está ali com ele. É fofo. Incentiva-o.

Vai. Vai. 

Fica ali observando e quando o garoto sente dificuldade ajuda-o a subir. Corre pra frente do escorrega. Bate palmas pro filho. Ele escorrega. Thiago não vê. Mas imagina a cara de alegria do garotinho.

Thiago ri discretamente. Ele ainda não tem filhos. Mas deseja no fundo do seu coração ser como aquele pai.

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