Pular para o conteúdo principal

Mexe

Para Rafael a festa de Jota podia terminar agora, Liz o convidou para dormir no seu apartamento, para ele nada mais importa, é hoje, é hoje, Rafael soa de ansiedade, ele já decorou todas as tatuagens dela, todas à mostra, evidentemente, aquela frase do Camelo no braço, aquele trompete atrás da orelha, aquela árvore de galhos secos no pescoço, aquele violãozinho no pulso, ele se pergunta o que tem mais para descobrir no seu corpo pequeno e moreno. Na verdade, ele também queria ficar no corpo dela feito tatuagem, mas não sabe se ela nutre os mesmos sentimentos, melhor não falar nada. O álcool nele sorri, os seus olhos brilham vermelhos, uma leve tremedeira deixa seu corpo nervoso, aguarda Liz que foi buscar umas brejas na geladeira, não consegue relaxar no sofá, com as pernas juntas, dedos da mão enlaçados, olhos irrequietos a observar o apartamento dela, fudeo, fudeo, vem vindo. Coloca as latinhas na mesa de centro e se joga ao lado dele em busca de sua saliva quente. Os seus lábios molhados o guiam, o seu hálito amadeirado por causa do Marlboro lhe desperta vontade de fumar, mas fumar ali na sua boca. Rafa vai relaxando e se destravando, a mão que desliza pelos cabelos cacheados dela segue até o seu ombro afastando a camiseta e deixando-o nu, ela ri do seu nervosismo e se arrepia com seus beijos no pescoço, Liz tira a camiseta e deita, Rafa beija a sua barriga, embaixo do peito indo para as costas uma tattoo desconhecida, “mexe qualquer coisa dentro doida, já qualquer coisa doida dentro mexe”, ele lê enquanto sua mão singra sobre o trecho da música que mostrou pra ela. Liz puxa o rosto dele com suas mãos, mas Rafael sente o enjoo do seu estômago subindo para boca, agora não, agora não, ele interrompe a trajetória dos seus lábios empurrando os ombros de Liz para trás. Ele vira para o lado e vomita para sua imensa e amarga decepção. Ela se levanta e sai da sala. Boçal. Enquanto Rafa se martiriza sentado e com sua cabeça em cima do encosto do sofá, Liz chega com um balde de água e um pano, limpa bem por cima e sai com o vômito se juntando em fragmentos na água, ele deita de bruços esmurrando o estofado. Ela volta com um copo de água e um engov, hey, para com isso, toma aqui ó, Rafael com o rosto suado se senta e bebe o remédio olhando para o interior do copo, observando o movimento da água para dentro de sua boca, ele olha Liz de soslaio e a vê rindo, ela pega seu copo e faz um cafuné na sua franja, deixa de ser bobo, lhe dá um selinho e sai. Ao voltar o encontra deitado no sofá escondendo o rosto com os braços, coloca uma música no som e se aperta no sofá com ele. Um eu te amo sussurrado se mistura ao som suave do violão de Cae bem baixinho junto com um eu também nessa madrugada de gorfo e amor.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Bicharada

Lana É madrugada faz 11° no Grajaú não consigo dormir, mas no escuro permaneço ouvindo o silêncio dos cômodos da casa sob camadas e camadas de tecidos e algodão da touca, do travesseiro e dos cobertores ouço minha respiração & meus pensamentos ouço o pc que ficou ligado ouço os ratos andando sobre o foro &  Mia que para de se coçar para prestar  atenção nos ruídos do teto ouço o vento que balança a janela de leve & Dante que late lá fora, provavelmente  por causa dos ratos Então  de repente  sinto Laninha subindo em minhas pernas cobertas & se encolhendo entre elas como um caracol  – pelo visto não sou só eu acordado nesse frio

Tira-Teima

Ela diz que eu sou teimoso, mas eu insisto que não. Ela que é teimosa por insistir que eu sou teimoso. Entre teimas e teimas resolvi tirar um tira-teima: quando eu digo que a amo ela responde com um amo mais e quando ela diz que me ama eu respondo com um amo mais. Nessa teima sem fim nunca saberemos quem ama mais quem. Os dois são tão teimosos que provavelmente se amam em igual medida: a medida do amo mais. A grandeza é dada pelo amor, o nome da unidade é amo mais e seu símbolo é o infinito (∞) [1] . [1] A parte matemática provavelmente está errada, mas nesse caso ela só serve para ilustrar o quão infinito é o amor de dois teimosos.

Passeio

Chevette preto. Versão SL. Um ponto quatro. Rodas cromadas. Vidros sufilmados.  Passa a cento e vinte quilômetros por hora na Avenida Belmira Marin. O limite na avenida periférica é de sessenta. O clássico de 76 some bairro adentro. São duas e quinze da manhã. Milo, Cuca e Joey conversam na frente da casa de Macau. Contam vantagem do último rolê entre risadas e a fumaça dos cigarros e baseados. Mas se assustam quando um carro estranho na quebrada estaciona na frente deles. Imediatamente os vidros descem e a luz interna do carro acende. Não há ninguém no veículo. Ficam sinistramente cabreiros. O estofado de couro dos bancos fica mais brilhoso sob a luz branca do teto. Os amigos temerosos se levantam para entrar em casa quando o rádio do carro liga sozinho: “Vamo andar pelas ruas de São Paulo, por entre os carros de São Paulo, meu amor, vamos andar e passear” *. Eles se entreolham se perguntando se isso seria um convite. ...