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Tudo culpa de Lombroso


Sr. Nakamura está sentado no trem das seis no terminal Grajaú. Óculos com aros grossos. Roupa social. Uma maleta social no colo. Ele lê o jornal. Estadão. Folha. Globo. Muitos exemplares. O trem em direção a Osasco sai.

Notícia do Estadão: Folheto da PM causa polêmica ao retratar negro como criminoso.

Tudo culpa daquele italiano. Aquele tal Lombroso. Pensa o Sr. Nakamura. Neto de imigrantes japoneses.

Próxima Estação. Autódromo.

Novos passageiros entram no vagão do Sr. Nakamura. Entre eles três haitianos. Os únicos lugares vagos onde os três ficariam juntos são os assentos perto do Sr. Nakamura.

Um senta no lado do nipo-brasileiro de cinquenta anos. Os outros dois nos bancos laterais. Os haitianos conversam e observam o senhor perto deles que lê.

Sr. Nakamura abandona as suas páginas por um momento para observar os curiosos imigrantes de soslaio.

Próxima estação. Santo Amaro.

Sr. Nakamura desce. Ele se dirige até o relógio analógico da estação para conferir se o seu relógio de pulso está correto.

O próximo trem em direção a Osasco chega.

São seis e quarenta cinco.

Vai chegar atrasado ao prédio onde é porteiro ali na região da Paulista.

Sr. Nakamura embarca pensando.

Tudo culpa de Lombroso.   

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