Ele
não achou o isqueiro, por isso está com fósforos. A dificuldade está sendo em
acender o cigarro enquanto caminha. Antes que possa aproximar o cigarro da
ponta acesa o vento a apaga. Usa o poste como barreira para o vento da noite e
enfim consegue acender. Fuma enquanto caminha na escuridão da Pedro Escobar. Os
postes estão desligados e ele teme ser roubado. As ruas do Eliana também estão
no breu, uma ou outra casa iluminada dispersa a escuridão. Passa em frente ao Boizão
que parece estar no seu último pico de movimento da noite.
Cola
na panificadora Rainha do Jardim Eliana. Pega a comanda na entrada e se dirige
ao caixa. Compra uma seda. Televisão ligada. O Jornal Nacional transmite uma
reportagem sobre a morte de David Bowie. Resolve pedir um café enquanto
assiste. No seu lado um senhor corpulento bebe uma ceva enquanto joga conversa
fora com o garçom. A reportagem parece que vai ser longa e ele resolve comer um
misto quente. Durante a espera o senhor tece alguns comentários sobre o rockstar
falecido. Ele responde ou gesticula algo para não parecer grosso. Um repórter é
divido em vários na tela do televisor para ilustrar o porquê de Bowie ser
considerado um camaleão tanto visualmente quanto musicalmente. Ele pensa como
as pessoas no dia a dia também precisam ser muitas e se reinventar para
continuar sobrevivendo.
Enquanto
se perde em devaneios, o que transforma a fala do senhor ao lado em balbucios abafados,
o seu misto chega. O seu pingado já tá pela metade, por isso ele termina-o e
pede mais um para acompanhar o lanche. Pensa no finado enquanto come. Só ouvi o
best of, tenho que deixar de ser poser e baixar os discos. Enquanto se
autocensura o jornal acaba e a novela começa. O senhor ao seu lado diz que
precisa ir embora. Não aguenta novela. Tem uma lembrança de infância da mãe
assistindo novela e o censurando por atrapalhá-la. Comenta como elas são uma
tradição da cultura brasileira. Afirma que diferente dos filmes nacionais, as
novelas são mais caprichadas. Corrige-se: os filmes recentes estão melhores. O
rapaz que tem as lentes embaçadas pelo vapor do café não concorda com o boêmio,
mas não sente a mínima vontade de discordar. Só quer tomar um café de boa,
ouvir e quem sabe também tecer alguns comentários como gente normal. Ser mais
um cínico num bar ou numa padaria qualquer.
Despede-se
e vai embora com um gosto amargo na boca. Não sabe se o gosto é da vida, da
morte ou do café. Mais provavelmente que seja do café mesmo. Ele percebe que tem mais chances de acender o
cigarro quando aproxima-o da pólvora assim que ela risca na caixa de fósforo. Caminha pra casa em passos calmos, sem pressa, acendendo um cigarro aqui nesta esquina ou ali naquela rua. Em casa o
primo bola o beck junto com o cunhado. Acendem as ideias numa ribanceira próxima
de uma caixa de tratamento desativada da Sabesp. Antes de sair de casa deixou
Low baixando. Enquanto não tem Bowie no celular, curte Sabotage durante a brisa
calma da noite.
Eles
tentam acompanhar a rima ligeira do rapper.
meninaleblonvermelhobatomfoivistacomjowmalhandonapraça...
A
língua se embola e as palavras se atropelam, pelo menos o refrão não tem erro.
sou maloqueiro sou e lá vou eu jow. é um
dois pra pegar, então polícia sai do pé. pra meu alívio eu quero um beck. mais
uma vez o enxame quem provoca é o zica.
Terminam
a ponta enquanto voltam pra casa. Durante o caminho manda uma mensagem.
desculpa.
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