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Mostrando postagens de 2015

Glória A Deus! Aleluia!

Assembleia de Deus. Culto de domingo. Oito e meia. Pastor Edson começa a pregação. Livro de Atos. Capítulo dez. Versículo trinta e quatro: “Então, falou Pedro, dizendo: Reconheço, por vontade, que Deus não faz acepção de pessoas (...)”. Também o trinta e cinco: “(...) pelo contrário, em qualquer nação aquele que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável”. O pastor faz uma pregação eloquente sobre o amor. Usa Cornélio como ponte para as minorias de hoje. Não grita. Pastor Edson é contido. Não é fervoroso, apesar de ser pentecostal, mas é coerente. Benção apostólica. Fim do culto. Fora da igreja cantina. Doces e salgados. Os jovens se reúnem na frente do templo. Conversam. Paqueram. Está frio. Daniel dá sua blusa para Elisangela. Encostada no carro a mãe de Daniel conversa com os irmãos em Cristo. De longe ela dá uma olhada feia para o filho. Os irmãos se despedem. O marido entra no carro. Irmã Neuza chama Daniel para ir embora. Daniel se despede dos...

Chester

Chester é um cão cheio de vida. A sua vida é tanta que ela transborda. É hiperativo: não há lugar onde ele não suba, não há coisa que ele não destrua, não há momento em que ele sossegue. Arthur se cansou de comprar vasilhas para pôr ração e água para o seu vira lata, ele come todas as vasilhas possíveis, ainda se lembra da surpresa ao colocar água na nova vasilha de alumínio e se deparar com a água que era filtrada por furos no seu fundo, como uma espécie de regador. Uma faixa preta risca as costas de Chester, do rabo até ao pescoço, aonde vai se misturando, criando um degradê com o seu pelo marrom. As suas pernas e patas também são manchadas, mas de um branco que constantemente fica sujo devido a sua inquietação. Quando Arthur está em casa Chester fica com ele no quarto. Quando não está aprontando dorme tranquilo em sua cama ao lado da cama do dono. Arthur não se atrasa ao trabalho graças ao cachorro que lhe acorda com seus cheiros e lambidas, e também não consegue acordar mais...

Deus não dá, mas tira!

O nosso lugar não é no centro da cidade. O nosso lugar não é nos centros comerciais. O nosso lugar não é nos bairros nobres. O nosso lugar não é na escola. O nosso lugar não é na faculdade. O nosso lugar não é no hospital. O nosso lugar não é nos shoppings. O nosso lugar não é no cinema. Não é no teatro. Não é numa exposição. O nosso lugar não é no transporte coletivo. O nosso lugar não é nas ruas. O nosso lugar não é onde moramos. As comunidades são removidas por interesses econômicos. Os pobres não tem lugar. Só gente montada no dinheiro. Quem tem dinheiro tem tudo: moradia, educação, segurança, saúde, lazer, trabalho. Quem não tem, tem que se contentar com um rascunho de projeto de vida que sonha com um pouco de dignidade. O nosso lugar é na sarjeta. O nosso lugar é na margem. Margem de tudo. O nosso lugar é nos engenhos. O nosso lugar é nas minas. O nosso lugar é na cadeia. O nosso lugar é na lama. O nosso lugar é na ...

Samba Curto

Gente reunida. Almoço na casa dos pais de Luizinho. Amigos e colegas do seu pai. Comida e bebida. Zoada. Crianças correndo. Forró ressoando pela casa. Lágrimas. Lágrimas. Lágrimas de amor. Eu chorei. Eu chorei. Chorei por você. O senhor Carlos, entre os amigos e colegas do pai de Luizinho, sempre chamou atenção do garoto. O senhor Carlos era um negro alto, de voz grossa e fumante inveterado. Era uma chaminé ambulante. Sempre falava da vida com nostalgia enquanto bebia um conhaque no bar do Seu Ribamar, pai de Luiz. O forró comia solto no bar do Seu Ribamar, mas quando o pequeno Luiz ficava por lá as paredes tremiam com o heavy metal que saía das caixas de som. Senhor Carlos sempre protestava daquela algazarra. Quando ia ao bar levava uns discos e assim corrompia o jovem metaleiro com a batucada do samba. Trazia de tudo: Bezerra da Silva, Wilson Das Neves, Elza Soares, Paulinho Da Viola, Martinho Da Vila. Senhor Carlos dizia em meio ao riso, fumaça e cachaça que quem não go...

Passou

Metrô. Transferência. Miguel lá de cima olha para baixo. Plataforma. Uma mãe segura o seu filho que se enverga nos seus braços. Olha para cima. O bebê vê Miguel. Miguel passa e sorri. Marcelo lê no seu quarto. Cookie puxa o cobertor da cama. Gostosamente se espreguiça no cobertor jogado nas costas do chão. Marcelo ri e faz carinho na barriga dele. Cookie tira a língua para fora de satisfação. É o horário do almoço. Gustavo vai para uma praça perto do seu trabalho. Deita no verde sob o azul. Embaixo da sombra da árvore. Cochila docemente no tempo. O tempo desacelera. O tempo para. O cantar dos passarinhos lhe desperta. Ele sorri e se espreguiça. Acende um cigarro. Companhia. O tempo volta mais lento. Rafael e Camila estão deitados na cama. Ela sobre o peito dele. Ele cheira os cabelos dela. Olhos fechados. Transporta-se para outro lugar. Não importa qual. Não importa onde. Um lugar onde o tempo não escorre entre os fios de cabelo. Um lugar onde o tempo se congela para s...

Despedida

Sexta-feira. Menos uma semana. No mês. No ano. Fernando sai do trabalho. Noite de cervejada com os amigos na Paulista. Da Faria Lima pra lá é um dois. Linha Amarela. Mensagem. Paulo. Já está na Augusta. Ele e Aline estão no Ibotirama. Ainda estão na Serra Malte. Mandam Fernando se apressar. Querem beber a Faxe logo! Estação. Fradique Coutinho. Fernando ri com a mensagem. Hoje ele está manchado como o azul do céu nesse fim de tarde. Sereno. Nos fones de ouvido Neon Indian. Era Extraña. Sons suaves e intimistas regidos por uma boa dose de sintetizadores botam um sorriso melancólico no seu rosto cansado. Polish Girl. Transferência para a Consolação. Lotada. As pessoas parecem caminhar em passos de formiga. Passos curtos. Capengando de um lado para o outro. Ele sempre se lembra dos operários em Metrópolis. Fernando está ansioso. Sorte que a poeira de distorções e ruídos de The Blindside Kiss somado com a voz cheia de ecos e reverberações de Palomo lhe coloca num vórti...

Dádiva

Nanã concedeu o casco. Obatalá o sopro. Tudo era seco e preto e branco. Oxumaré trouxe a chuva e as cores. Oquê deu a base de tudo. Sem ori o homem não sabia quem era. Graças a Ori o homem descobriu. A existência absurda e sem sentindo precisou de Ifá para ser suportada. Iemanjá até hoje tenta lhe ensinar equilíbrio. Orixá Oco o plantio deu ao homem. Oxóssi o ensinou a labutar. E Ogum a nunca desistir. Xango deu a gana pela justiça. Omulu revelou as suas fraquezas. E Ossaim mostrou que pra tudo tem um jeito. Em terra de Euá todo homem vai parar. Até que Óia o leve para outro lugar. Sorte do homem que nessa vida é agraciado por Oxum. Com um sentimento contraditório e incomum. E daquele que com Exu aprendeu. Que todo mundo precisa de ajuda. Pode ser homem. Pode ser deus.

Deixa O Menino Brincar

Começo da noite. Lucas assiste Disney CRUJ. Pateta acaba de acabar. Super Patos começa. Depois vem Doug Funnie. Isso se sua mãe não tirar do SBT para assistir as chatas novelas da Globo. E o maldito Jornal Nacional que já vai começar também. Droga. Barulho no vizinho. Choros. Gritos.  – Meu nariz! Meu nariz! Seu pai e sua mãe saem para socorrer alguém. Lucas curioso vai à esteira dos pais. A casa do vizinho é grande. Cheia de casas de aluguel na verdade. Lucas sobe as escadas. Passa pela primeira casa de inquilinos. Casa do amigo Guilherme. Toda escura. Deve ter saído com os pais. Passa pela segunda. Porta e janela aberta. Vazia. Repara em manchas vermelhas no chão. Um monte de gente reunida na porta da terceira casa. Rosa está segurando o sangramento do nariz com a mão. Algumas mulheres a socorrem. Pano molhado. Compressa. No canto Luciano está desnorteado. Bêbado. Fuma seu cigarro. Treme. Lucas repara que os nós da mão direita de Luciano estão sujos de...