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Deixa O Menino Brincar

Começo da noite. Lucas assiste Disney CRUJ. Pateta acaba de acabar. Super Patos começa. Depois vem Doug Funnie. Isso se sua mãe não tirar do SBT para assistir as chatas novelas da Globo. E o maldito Jornal Nacional que já vai começar também. Droga.

Barulho no vizinho. Choros. Gritos.

 – Meu nariz! Meu nariz!

Seu pai e sua mãe saem para socorrer alguém. Lucas curioso vai à esteira dos pais. A casa do vizinho é grande. Cheia de casas de aluguel na verdade. Lucas sobe as escadas.

Passa pela primeira casa de inquilinos. Casa do amigo Guilherme. Toda escura. Deve ter saído com os pais.

Passa pela segunda. Porta e janela aberta. Vazia. Repara em manchas vermelhas no chão.

Um monte de gente reunida na porta da terceira casa. Rosa está segurando o sangramento do nariz com a mão. Algumas mulheres a socorrem. Pano molhado. Compressa.

No canto Luciano está desnorteado. Bêbado. Fuma seu cigarro. Treme. Lucas repara que os nós da mão direita de Luciano estão sujos de sangue.

O pai de Lucas o leva para casa.

O menino não entende muito bem. Quem sabe entenda. Mas é meio difícil de acreditar. Tenta elaborar razões. Nunca viu isso em seus desenhos. O seu mundo infantil é tão frágil. Logo ele crescerá e presenciará outros episódios de ódio sem sentindo. Até lá o pai de Lucas tem razão quando a mãe reclama que ele vem todo sujo e ralado para casa:

– Deixa o menino brincar.


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