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Samba Curto

Gente reunida. Almoço na casa dos pais de Luizinho. Amigos e colegas do seu pai. Comida e bebida. Zoada. Crianças correndo. Forró ressoando pela casa.

Lágrimas. Lágrimas. Lágrimas de amor. Eu chorei. Eu chorei. Chorei por você.

O senhor Carlos, entre os amigos e colegas do pai de Luizinho, sempre chamou atenção do garoto. O senhor Carlos era um negro alto, de voz grossa e fumante inveterado. Era uma chaminé ambulante. Sempre falava da vida com nostalgia enquanto bebia um conhaque no bar do Seu Ribamar, pai de Luiz.

O forró comia solto no bar do Seu Ribamar, mas quando o pequeno Luiz ficava por lá as paredes tremiam com o heavy metal que saía das caixas de som. Senhor Carlos sempre protestava daquela algazarra. Quando ia ao bar levava uns discos e assim corrompia o jovem metaleiro com a batucada do samba. Trazia de tudo: Bezerra da Silva, Wilson Das Neves, Elza Soares, Paulinho Da Viola, Martinho Da Vila. Senhor Carlos dizia em meio ao riso, fumaça e cachaça que quem não gosta de samba bom sujeito não é e por isso Luizinho tinha que aprender a curtir a música da sua terra.

Certo dia passando por uma sebo Luizinho achou um disco dos Novos Baianos. Banda que o senhor Carlos sempre comentava por misturar o samba com o rock. Luiz levou Novos Baianos F. C. para casa e foi tomado de surpresa ao ouvir as palavras do senhor Carlos em O Samba Da Minha Terra. Levou para o bar para surpresa e alegria do velho negão.

Quem não gosta de samba bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé. Eu nasci com o samba, no samba me criei. E do danado do samba eu nunca me separei.

Senhor Carlos veio para a vila como trabalhador do CDHU. De quinze e quinze dias voltava para casa. Num desses retornos para casa nunca mais apareceu. A lembrança mais forte que Luizinho carrega do senhor Carlos foi dessa tarde de almoço em sua casa. Luizinho teve a liberdade de pôr um batuque no meio daquele arrasta pé.

Não adianta chorar. Não adianta gritar. Não adianta. Não adianta. Tudo que se quer. Tudo que se ama. A vida nos dá. O problema é encontrar. O problema é encontrar. 
  
Luizinho viu senhor Carlos se sentando. O costumeiro copo de conhaque numa das mãos e o cigarro na outra. Ele cantava baixinho. Sussurrando.

E chorando.

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