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Mostrando postagens de janeiro, 2016

Fusão

Céu estrelado. Deitados na grama. Dedos entrelaçados. Batimento acelerado. Bem estar feito vício. Euforia alucinógena. Sorriso lascivo. Banhados pela lua. Brasas no olhar. Corpos em ebulição. Sentimento de infinitude. Abraço apertado. Flutuam no espaço. Fundem-se num só. Gozam.

O lugar é a gente

Felipe desce o escadão do Carioba. O prédio escolar está vazio e escuro. Férias. Na sua frente dois caras carregam uma geladeira num carrinho de mão, enquanto um guia o carrinho, o outro segura o eletrodoméstico evitando que ele não tombe para o lado. Um som familiar vem se aproximando lá de trás: vamos as atividades do dia. lavar os corpos. contar os corpos. e sorrir a essa morna rebeldia. Um cara de camiseta e calça preta, vans quadriculado, segurando uma sacola numa mão e uma garrafa de água pela metade na outra passa por ele e pelos homens que carregam a mudança cantando: só os louco, só os louco, só os louco. Cumprimenta os trabalhadores e segue fazendo a trilha sonora de sua volta pra casa. Trilha que vai se misturando aos outros ruídos da vila. O fim do escadão dá numa praça improvisada pelos moradores onde uma árvore se sobressai aos vasos de plantas feitos com pneus. Uma molecada aparece do nada. Felizes. Um deles carrega algum objeto que pisca sem parar. S...

Lutando Com Deus

Jacó lutando com Deus (Gustave Doré, 1855) Júlio sempre ora antes de dormir. Senhor Jesus, gostaria de agradecer por mais um dia que você me concedeu nessa terra. Eu sei que estou no mundo, mas que do mundo eu não sou, por isso livrai-me do mal. Abençoa a minha família e amigos. Ajuda-me a ser um instrumento na sua mão. Que eu possa te glorificar com minha vida, que meu culto a ti não seja só na igreja, mas em todos os lugares em que piso com a planta do meu pé. Senhor, eu era uma ovelha desgarrada do seu rebanho, minha vida de iniquidade só me trouxe dores, como o problema da minha perna causado pelo cigarro que profanava o templo do seu espírito santo. Perdoa-me e tem misericórdia de mim. Imediatamente Júlio sente um formigamento na perna. Uma sensação de algo subindo por ela de maneira rápida e descoordenada. Ele coloca a mão sobre a perna e ora mais fervorosamente. O Senhor migra da perna para a mão de Júlio e vai subindo pelo seu braço. Quando ele já está no seu pes...

Robert Mitchum é gente como a gente

Recinto cheio de fumaça. Cinzeiro cheio de bitucas. Whisky acabando. Copo cheio pela quarta vez. Peito vazio. The Bridge rolando. God Bless the Child. Rollins melancólico no sax. Hall intimista na guitarra. Quero fugir do passado. Como Mitchum. O whisky desce macio. A nova bituca não cabe no cinzeiro. Como Greer você volta do nada. Sai do meio da neblina do cais. Como um fantasma a me atormentar. Droga. Meu whisky acabou. Espero que o bar da esquina ainda esteja aberto. Rollins continue aí. Quem sabe eu volte.

Bowie

Ele não achou o isqueiro, por isso está com fósforos. A dificuldade está sendo em acender o cigarro enquanto caminha. Antes que possa aproximar o cigarro da ponta acesa o vento a apaga. Usa o poste como barreira para o vento da noite e enfim consegue acender. Fuma enquanto caminha na escuridão da Pedro Escobar. Os postes estão desligados e ele teme ser roubado. As ruas do Eliana também estão no breu, uma ou outra casa iluminada dispersa a escuridão. Passa em frente ao Boizão que parece estar no seu último pico de movimento da noite. Cola na panificadora Rainha do Jardim Eliana. Pega a comanda na entrada e se dirige ao caixa. Compra uma seda. Televisão ligada. O Jornal Nacional transmite uma reportagem sobre a morte de David Bowie. Resolve pedir um café enquanto assiste. No seu lado um senhor corpulento bebe uma ceva enquanto joga conversa fora com o garçom. A reportagem parece que vai ser longa e ele resolve comer um misto quente. Durante a espera o senhor tece alguns comentários ...

Surto Contido

Uma senhora raquítica de óculos de tartaruga passa suas compras no caixa de uma mercearia. Café, açúcar, leite, pães e frios. Parece que ela vai fazer um lanche da tarde. O caixa soma os produtos. Dezenove reais. Isso tudo?! Não, tá errado. Soma de novo. O caixa soma novamente. Oito e cinquenta do café, dois reais do açúcar, dois e cinquenta do leite, dois reais de pães e quatro reais de frios. Deu dezenove reais, senhora. Muito caro. Quanto é o café mesmo? Oito e cinquenta. Vou trocar por um mais barato, pera aí. O caixa a aguarda pacientemente. A sorte é que ela é a única cliente no momento, mas mesmo assim já era pra ele ter a despachado e voltado para leitura. Pronto. Peguei o menor. Quanto que tá aqui? Minha vista tá tão ruim... Deixa eu ver. Quatro e cinquenta, senhora. Certo, soma aí. A calculadora volta a tilintar e computar os valores. Deu treze reais. A senhora incrédula olha para o caixa e para os produtos com os óculos na ponta do nariz. Soma de novo, por favor. Senhora é ...

Lobo-Guará

Pernas compridas rodeiam uma cerca. A terra delimitada pelo conjunto formado pela madeira e arame farpado restringe o acesso que antes era livre. Hoje ele anda nostálgico em volta dessa terra que lhe foi tirada. A cada período curto de tempo o espaço que a cerca abarca aumenta. Ele se sente incapaz, parece que nada que possa fazer reverterá essa situação, muitos dos seus já tentaram, mas em vão, foram expulsos ou mortos da terra que hoje não é mais de bem comum, mas propriedade de alguns privilegiados. As suas grandes orelhas não captam nem um leve ruído de alteração nos ventos de seu destino. O seu olfato não sente o cheiro da mudança. O seu pelo vermelho está coberto de pó. Ele é um animal em extinção. Aguardando o seu lugar empalhado em algum museu natural ou apodrecendo debaixo da terra maculada com o sangue de seus irmãos. O seu corpo esguio a cada dia definha mais e mais por causa da angústia e do desespero que lhe assolam. A depressão lhe tirou a vontade de caçar, de comer, d...

Humphrey Bogart é gente como a gente

Sonny Rollins melancólico. Saxophone Colossus. You Don’t Know What Love Is. Me sinto num film noir dos anos 40. Com insônia e com saudades dela.

Tudo culpa de Lombroso

Sr. Nakamura está sentado no trem das seis no terminal Grajaú. Óculos com aros grossos. Roupa social. Uma maleta social no colo. Ele lê o jornal. Estadão. Folha. Globo. Muitos exemplares. O trem em direção a Osasco sai. Notícia do Estadão: Folheto da PM causa polêmica ao retratar negro como criminoso. Tudo culpa daquele italiano. Aquele tal Lombroso. Pensa o Sr. Nakamura. Neto de imigrantes japoneses. Próxima Estação. Autódromo. Novos passageiros entram no vagão do Sr. Nakamura. Entre eles três haitianos. Os únicos lugares vagos onde os três ficariam juntos são os assentos perto do Sr. Nakamura. Um senta no lado do nipo-brasileiro de cinquenta anos. Os outros dois nos bancos laterais. Os haitianos conversam e observam o senhor perto deles que lê. Sr. Nakamura abandona as suas páginas por um momento para observar os curiosos imigrantes de soslaio. Próxima estação. Santo Amaro. Sr. Nakamura desce. Ele se dirige até o relógio analógico da estação para ...

Os sujos e os maus lavados

Dois amigos caminham na calçada do Conjunto Nacional. Na frente deles duas pessoas comentam algo sobre a cultura pop. Eles ouvem a conversa e comentam entre si. – Esses caras pseudo intelectuais são muito Woody Allen, né?! Nos filmes sempre tem alguém que quer dar uma de entendido só pra ostentar que sabe, impressionar, pagar de cult ou sei lá. – Isso que você tá fazendo é mais Woody Allen ainda, sabia? – Como assim? – Criticando quem faz isso e tal. – É mesmo. Os dois riem e embarcam no metrô Consolação.