Com os meus 26 já vi a morte de várias maneiras, não só em
livros, filmes ou músicas, não só de artistas admirados ou inocentes
desconhecidos nos telejornais. Já vi a morte na escola durante a adolescência,
nas ruas e ruelas do meu bairro, nos parentes próximos e outros nem tanto, nos
familiares de amigos e conhecidos, nos vizinhos e colegas, em pessoas que eram
próximas, mas que por alguma razão se afastaram, nos animais de estimação e nos
abandonados, nas lágrimas e no luto de quem ficou. Vi a morte pela primeira vez
no rosto de minha avó, como era muito pequeno, a foto do seu caixão rodeado de
flores coloridas é a minha lembrança. Um pouco mais tarde vi a morte num cavalo picado
por uma cobra no bairro onde passei minha infância, cavaram um buraco enorme
entre a relva verde que cercava as casas naquela pacata rua sem saída. Vi a morte num
sujeito que fugia da morte com tanta vontade de viver que as suas balas fatais
quase me levaram também. Não sei o que é mais triste, se a morte que leva a
pessoa inteira ou se aquela que leva só um pedaço e deixa uma cópia incompleta
do que a pessoa era. O sangue do meu primo que escorre aos cântaros pela
calçada e se infiltra entre as brechas dos paralelepípedos. Também não sei qual
morte é a mais trágica, se aquela dos ataques fulminantes, se aquela repentina nos acidentes
ou aquela tácita e lenta dos tumores que definham. Em teoria o suicídio rouba a
decisão da morte da morte (ou seria da vida?), é o indivíduo que decidiu assim,
mas na prática os atos suicidas são na maioria das vezes resultados do desespero.
Mas ao mesmo tempo nem toda decisão da vida é racional. Temos uma mania de
desqualificar atos mais emocionais. Nas portas do meus 27 me pergunto se serei
o próximo (talvez não, já que não sou uma estrela do rock). Se continuarei
contrariando as estatísticas ou entrarei na amostragem mortífera da violência
urbana ou sei lá. Só a morte sabe, eu acho. Uma hora ou outra ela encontra uma
maneira, acidental, fatal, repentina, cruel, sádica, não importa qual, mas
sempre mortal. Faço da poesia de Noel a minha, “quando eu morrer, não quero
choro e nem vela, quero uma fita amarela gravada com o nome dela”. Também não
precisarei morrer para ver Deus. Existem pessoas que passam a vida inteira em
igrejas, sinagogas, terreiros, ou o que quer que seja, e nunca viram Deus,
mesmo sendo crentes, espirituais ou sensitivas. Eu vejo e ouço Deus desde criança
e sem ele a minha vida seria muito sem graça. Ele não é uno, mas diverso e
variado. Cada um pode escolher a versão que mais lhe agrada. Como Nietzsche e
Vonnegut eu vi e ouvi Deus. E ele não é outra coisa senão a música em toda a sua
diversidade e transcendentalidade. Por isso enquanto viver continuarei
apreciando as melhores canções e todos os afetos da vida, inclusive a morte, mas preferencialmente ao lado dela e se não for pedir demais, deitado no seu colo.
Comentários
Postar um comentário