sentado ao pé da represa ainda consigo ver algumas casas
por cima do cume de um agrupamento de árvores que
forma um corredor de pedrinhas cinzas com areia e
folhas marrons caídas dos galhos mais altos
do outro lado da margem
dependendo da direção do horizonte
mais casas são visíveis em suas diferentes características
desde as suas mais variadas formas e tamanhos
aos seus diferentes estágios de acabamento
não estou tão longe das ruas
por isso às vezes pego
algum ruído ou som
fraquinho vindo da vila,
conversas, latidos, brincadeiras,
um forró, o carro do ovo, um funk
mas o que eu mais ouço aqui é o silêncio
do farfalhar das folhas,
do zunido dos grilos,
das ondas batendo
e do sopro ameno
do vento
outonal
com os olhos fechados
sou puro sentir
pura pele
ouvido
toque
tudo é parte de mim
e sou parte de tudo
perguntas complexas
perdem o sentido
quero somente o simples
indefinido e contraditório
o que permite a multiplicidade do ser
com suas particularidades e generalizações
permanências e variações
aqui onde a cidade começa e termina
onde bairro é distrito
e distrito é bairro
eu sou cada pico
cada barraco, casa e tríplex,
cada lojinha, barzinho e igreja,
cada biqueira, viela e sarjeta,
cada favela e conjuntinho
eu sou cada favelado em crise
cada menino que trafica,
cada diarista apertada nos coletivos,
cada tiozinho de porta de bar,
cada mulecote dedicado entre a escola e o trabalho,
cada mãe jovem abandonada por algum cuzão,
cada pretinho estirado no chão,
cada gota de sangue no barro, asfalto e paralelepípedo
eu sou uma enorme quebrada navegando sobre
as águas de uma represa em busca do caminho do bem
(acredite, não duvide)
Comentários
Postar um comentário