O silêncio imperava entre mim e meu pai. Pela manhã não havia bom dia, só sabia que ele tinha ido trabalhar por causa do som da porta sendo fechada. Ele não perguntava sobre mim, meu dia ou minha escola, se tudo estava bem ou estava mal. De noite ele quase não respondia a minha benção, murmurava um deus abençoe ríspido, entre os dentes. Todos os dias eram assim. Em datas comemorativas era um simples aperto de mão acompanhado com o que cabia ao momento, “parabéns”, “feliz aniversário”, “feliz natal”, “feliz ano novo”. A sorte é que eu passava praticamente o dia sem a sua presença, via-o pela noite ou olhe lá. Quando nos víamos pela casa às vezes não falávamos nada só nos cumprimentávamos com um aceno de cabeça. Nunca o vi chorar, parecia uma rocha inabalável, nem quando sua mãe, minha vó, faleceu. Todos os meus tios choraram menos ele. Não sabia como ele se fechava dessa maneira. Não conseguia ler suas expressões, gestos e olhares, para tudo parecia indiferente. Forte meu pai. Lembro da vez que ainda pequeno cheguei em casa chorando, nem me lembro o porquê, e ele me olhou com a cara carrancuda de sempre e rudemente me mandou engolir o choro. O seu olhar de desaprovação e sua voz de censura foram mais fortes do que aquilo que me levou aos prantos, talvez seja por isso que até hoje eu só me recordo da bronca e nada mais. Ele não fazia questão de nada, afeto ou bens materiais, mas também não reclamava de nada, nunca o vi brigar com minha mãe. Ela sempre me dizia para ter paciência com ele, que esse era seu jeito, fora criado assim. Apesar de suas palavras nunca vi meus pais em um momento de carinho, de mãos dadas, abraçados ou se beijando, jamais. Mesmo assim acho que eles se amavam, pelo menos ela o amava, acho que ele também, como ela diria, do seu jeito, sua maneira. Com os meus irmãos esse mesmo comportamento se repetia, não dava nem para pensar que ele tinha um filho favorito. Sei que ele trabalhava desde muito cedo, sei que se casou com minha mãe novo, mas não sei se um dia teve sonhos, com certeza, todos sonham. Por muitos anos imaginei que fôssemos um fardo para seus braços, obrigados desde sempre ao trabalho braçal para alimentar essas bocas que só mastigavam e queriam mais, mantinha o mesmo ritmo de trabalho mesmo com a partida dos filhos, um por um. Ficou só eu. Já pensei em ir embora, já pensei em sair, mas sempre retardo minha partida, com a faculdade e o trabalho ainda posso continuar aqui, os ajudando. Mesmo assim nunca ouvi um obrigado seu. Nada. Antes eu me importava, hoje isso não me afeta mais. Acostumei. De alguma forma penso que ele nos ama. Existem amores que não precisam de alardes, são assim tácitos, afetos discretos, contidos, em pequenos gestos, muito das vezes imperceptíveis. Como quando ele me olhou durante o jantar depois que eu anunciei que fui aprovado numa universidade, vislumbrei muito rapidamente um sorriso de canto, quem sabe orgulho no olhar. Era difícil de olhar por de trás da sua máscara. Hoje aqui no seu velório, apesar de tudo, eu não consigo segurar o choro, na verdade, choro até mais do que eu esperava ou até mesmo queria. De cabelos e bigodes brancos, vestido com um terno preto, nunca o vi com a cara tão serena, me deu até vontade de morrer. Encostado no caixão sem conseguir sair minha mãe veio e me abraçou, cochichou no meu ouvido que ele vivia falando que tinha orgulho de mim, não entendi por que ele nunca me disse pessoalmente. E continuei ali. Não arredei o pé do seu caixão, como se quisesse viver tudo que não vivi com ele naquelas últimas horas. Foi então que eu notei um pedaço de papel saindo do bolso de seu paletó. Era uma foto de nós dois. Numa bicicleta velha que ele teve quando eu era criança. Fui atrás de uma caneta depois da emoção e antes de devolvê-la escrevi no seu verso, “Pobre meu pai, te amo”.
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