Ela desce do bus. Já é uma hora da manhã.
A Avenida Belmira Marin está praticamente deserta. As vielas estreitas e insalubres do Jardim Prainha são mais inóspitas ainda. Teve o azar de não ter ninguém no ônibus que também morasse por esses lados. Ela desce a Estrada da Ligação sozinha.
Começa numa velocidade baixa.
Da Avenida até a sua casa são aproximadamente mil metros e meio. Desce num passo constante. Passa pelo primeiro e sinistro trecho da estrada com as torres de alta tensão e seus barracões. Ela não olha para os lados com medo de ver alguém na escuridão. Bota Arctic Monkeys nos fones de ouvido para tentar relaxar.
Brianstorm ajuda a aumentar o ritmo. Já está numa velocidade elevada. Passo firme e respiração ofegante. A vendinha protegida por grades sempre reúne um grupinho de rapazes. Passa sentindo que está sendo acompanhada por olhares.
Passando pela igreja católica numa velocidade maior é surpreendida por um homem que sai da rua quinze ou doze, não sabe ao certo, encarando-a. Ela leva um susto, olha rapidamente no fundo de seus olhos e continua o seu caminho.
No trecho da Igreja Paz e Vida os bares ainda estão abertos. Não vê a molecada da biqueira, mas em compensação é chamada por gritos de dois caras fritando no bar. Ainda bem que resolveu usar o fone.
A sua velocidade já está na casa dos decimais.
Quase que corre. O segundo trecho mais sinistro novamente com torres e barracões se aproxima. Nem a animada Fluorescent Adolescent consegue acalmá-la. O lixão horrendo causa-lhe arrepios. O negrume apavora. Parece que há olhos escondidos nas profundezas espreitando os seus pés vacilantes.
Segue pela Rua do Mercado Real Vitória com medo de pegar a sinuosa Califórnia que desemboca na Marfrenz. Os toldos de mercados, lojas e casas de construção, produzem mais sombras. Dois homens estão sentados no batente de uma casa de construção, escondidos sob a escuridão, trocam confidências um para o outro. Ela segue rápido olhando para trás para se certificar de que não está sendo seguida.
Duas lotações estão estacionadas no ponto final do bairro. O breu total envolve os seus interiores. Ela caminha firmemente. Desce a Rua Boa Vista. Passa pela segunda igreja católica. Se sente insignificante e apequenada pela imensa catedral.
Ao pegar a Rua da Paz descendo ouve um barulho de motor. Um carro desce devagar logo atrás dela, o contraluz dos faróis compacta sua sombra nos paralelepípedos. A luz amarelada pisca diversas vezes.
Corre com medo, a adrenalina sendo liberada, a visão turva, não para até entrar no portão de sua casa na Rua Boa Esperança. Ela cai no chão exausta. O seu pai levanta-se sobressaltado devido a batida do portão. Ao socorrê-la ouve o carro que sobe a rua em alta velocidade.
505 chia nos seus fones de ouvido.
Ao acordar ela nota que a esteira está desgovernada. Uma das colegas de treino a segura pelos braços, molha o seu rosto e oferece-lhe água. Ela se senta no chão da academia recobrando a consciência enquanto a água hidrata seu organismo.
Ela olha para o relógio. Já são nove horas. Melhor ir pra casa.
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